19 de abr. de 2010

Resumo do Cap. 2 do Livro da Prof. Fabiana F. Padoim

UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DEJ - DEPARTAMENTODE ESTUDOS JURÍDICOS
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
Prof.°Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Discente: Rodrigo Cozer
Sinopse do Capítulo 2 (Os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato) do livro Os direitos fundamentais das relações contratuais 1.

1. Dos antigos aos novos princípios e as cláusulas gerais 2.
As críticas à noção clássica do contrato encontraram coro a partir da segunda metade do século XX, com culminação formal na Constituição Federal de 88 em virtude da instalação progressiva do estado de bem estar social. Consoante a este processo social de transformação, centrado no cenário macroeconômico pela paulatina substituição de um estado eminentemente neoliberal para um estado intervencionista, a doutrina jurídica relativa a teoria dos contratos obrigou-se à reinvenção, a fim de atender às demandas e anseios da sociedade.
Os princípios regentes da teoria contratual clássica, quais sejam a autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos e a relatividade dos efeitos, construídos pela classe burguesa para a classe burguesa após a Revolução Francesa de 1793, foram largamente utilizados sob o pálio das forças econômicas que interessavam unilateralmente aos novos ricos do século XVIII. O princípio nuclear, conhecido como autonomia da vontade, tornou-se a pedra angular da teoria dos contratos e justificava as relações contratuais na razão direta em que fazia surgir legítimos direitos e obrigações advindos da relação contratual. Este princípio está vinculado à ideia da vontade livre que assume que “o indivíduo deve estar livre em três momentos , quais sejam: para contratar ou abster-se de contratar, para escolher o parceiro contratual, para fixar o conteúdo das cláusulas e limites da obrigação” (Padoim, 2009, p. 61).
Importante frisar que a teoria geral dos contratos em sua concepção clássica foi fundamental no combate ao sistema feudal na Europa ocidental na medida em promoveu a livre concorrência entre mercados. Outra decorrência da fixação filosófica deste ideário, foi a instituição do brocardo pacta sunt servanda,no sentido de obrigar os contraentes nos limites estabelecidos no contrato. Por fim, a função protetora que eximia as manifestações de vontades que não eram advindas de manifestações contratuais.
Como qualquer teoria primeva, a referida teoria clássica dos contratos foi levada ao extremo, pois não respeitava a hipótese de haver divergência entre a vontade expressa contratualmente e a vontade tácita, real do contratante, que por ocasião da força vinculante era obrigado a cumprir a prestação na forma contratada. Este cenário encontrava abrigo no sistema judiciário em vigor, pois o legislativo composto pela mesma classe burguesa estabeleceu também um arcabouço jurídico conhecido como a Escola da Exegese,que previa apenas a identificação do direito com a lei, inibindo assim a possibilidade de interpretação e de valoração por parte do aplicado do direito.
Contudo, a evolução do estado social que estabeleceu os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social exigiu do corpo legislativo um novo embasamento jurídico que levasse em conta o caso concreto e as possíveis aplicações factuais da teoria do contrato. Nesta ordem o contrato passa a ter a função de promover a igualdade real e equilíbrio entre as partes, como corolários da dignidade e do solidarismo, importando, na verdade, novos contornos à autonomia da vontade 3.
Neste cenário de transformação, a autonomia da vontade deixa de ser o elemento nuclear na teoria dos contratos, enquanto ascende um novo aspecto, estranho aos contratantes mas imprescindível à sociedade, que é o interesse social. Decorre daí a instauração de novos princípios contatuais: a função social do contrato, o equilíbrio contratual e a boa-fé objetiva.
Em decorrência deste movimento, surge a denominada migração do sistema fechado para um sistema aberto de direito, embasado em normas jurídicas mais indeterminadas e imprecisas que facultam ao aplicador a valoração das normas e sua correspondente aplicação ao caso concreto, observado os novos princípios estabelecidos. Este novo ordenamento jurídico está calcado na larga utilização das cláusulas gerais que ao utilizarem uma técnica de redação expressa em termos vagos e de significações variadas permitem a inter-vinculação de diversas legislações, instruindo o comportamento dos contratantes em todas as fases contratuais.
Faz-se míster esclarecer que os princípios da autonomia da vontade , da força obrigatória dos contratos e da relatividade dos efeitos não desapareceram; nesta nova conjuntura eles devem ser ponderados e equilibrados com os novos princípios estabelecidos por exigência do estado de bem estar social, objetivando o exercício pleno e equânime da cidadania visto que só no convívio social o homem adquire seu pleno desenvolvimento 4.

2. A boa-fé objetiva: das origens históricas e suas funções
Considerando que a integração dos valores fundamentais expressos na Constituição Federal à legislação civil tem sua interligação realizada pelas cláusulas gerais , o princípio da boa-fé objetiva permeia o direito contratual como uma de sua principais cláusulas contratuais.
Historicamente o referido princípio desenvolveu-se a partir do direito romano estando intrinsecamente ligada à manutenção da palavra dada. Posteriormente a expressão passa a ter significado de dever de adimplemento, e mais tarde ganhou nuances de embasamento jurídico prescindindo de fundamento em lei, permitindo que a atuação do juiz tivesse uma grande margem de liberdade, não ficando mais restrita, devendo não considerar a letra do contrato ou da lei, mas o espírito do acordo, conforme objetivamente prometido entre as partes 5.
Posteriormente surge a formalização do conceito no direito alemão em seu § 242, exprimido a ideia de conduta social , segundo qual cada indivíduo deve ajustar sua conduta a esse modelo , atuando como homem correto, isto é, com honestidade, lealdade, probidade 6.
Nesta esteira, a legislação brasileira incorporou o princípio da boa-fé, primeiramente no Código de Defesa do Consumidor e posteriormente no Código Civil de 2002, tornando-se elemento fundamental para uma compreensão absolutamente nova da relação obrigacional.
O princípio da boa-fé se coaduna com as garantias exaradas no texto constitucional no que tange à tutela da pessoa humana, entendida como elemento da sociedade que através de suas relações jurídicas é parte ativa de seu desenvolvimento. Nesse sentido, a boa-fé objetiva consiste num comportamento ético, padrão de conduta, tornando como paradigma de conduta o homem honrado, leal e honesto 7.
Portanto, o conceito de boa-fé objetiva não mantém relações com a consciência de ação do indivíduo, de nada importando a intencionalidade da parte de estar ou não lesionando direito de outrem ou violando regra jurídica. Nesse sentido, a plicação do princípio da boa-fé objetiva é balizada pala atitude do indivíduo médio, em uma determinada sociedade considerando sua cultura e costumes peculiares.
A impetração deste princípio ao ordenamento jurídico implica em um aumento de responsabilidades, visto que não tão somente o polo passivo encarregado da adimplência da prestação, mas também o credor, tradicionalmente apenas titular de direitos, passam a manter observância dos referidos conceitos.
A aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva está condicionada a análise do caso concreto, da situação fática, observados o meio social onde se desenvolve. Desta forma a boa-fé possui um valor autônomo, que muitas vezes pode ser alheio aos contratantes, mas que permite ao aplicador da lei construir um regramento jurídico para quele caso concreto visando perfectibilizar a função social dos contratos.
Diante desta nova perspectiva, nasce a o entendimento da relação contratual enquanto relação jurídica dinâmica, que em seus vários estágios de desenvolvimento deve ser permeado pela boa-fé, vez que seus instrumentos não são isolados do contexto geral, integrando a ordem econômica e exercendo função social. Nesse âmbito, o Estado-juiz pode e deve agir para re-equilibrar as eventuais desigualdades gerados por um contrato, a fim de promover o estado de bem estar social.

2.1 Funções da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais
O desenvolvimento teórico do princípio da boa-fé objetiva no que tange às relações contratuais implica, de acordo com Martins-Costa (1999), em tr~es relações jurídicas obrigacionais distintas, a saber: de cânone hermenêutico integrativo, de criação d deveres jurídicos secundários ou anexos e de limitação do exercício dos direitos subjetivos.
2.1.1.Função hermenêutica integradora
A boa-fé não atua somente como recurso de flexibilização da vontade dos contratantes, mas também quando estes deixam lacunas a serem preenchidas e resolvida, indispensáveis para a própria sobrevivência da relação contratual e a sua relação de efeitos na forma almejada pelas partes. Com isso, não mais se tutela e valoriza exclusivamente o momento da formação do contrato, mas as circunstâncias concretas do desenvolvimento e execução do mesmo, no intuito de harmonizar os interesses e valores envolvidos por cada uma das partes e assegurar justiça contratual.
2.1.2.Função de criação de deveres jurídicos intermediários
Na visão tradicional do direito, a relação jurídica tradicional esgota-se no dever de prestar, de um dos contratantes, e no direito de exigir a prestação, pela outra parte contratante. No entanto, moderna teoria obrigacional entende a relação contratual sujeita não somente ao cumprimento da prestação principal, proveniente da vontade das partes mas também de deveres anexos ou secundários, ligados ao contrato e que possuem fonte diversa, que é a boa-fé.
Em relação ao credor a atuação do princípio da boa-fé exige sua atuação conforme a confiança depositada pela contraparte o que lhe impõem deveres de conduta, tais como de não agravar a situação do devedor, de contribuir à efetivação do pagamento, de prestar os esclarecimentos necessários sobre o negócio, entre outros
2.1.3.Função de limitação do exercício de direitos subjetivos
A referida função tem por fim evitar que as teses defensoras da liberdade contratual total possam levar a maiores desequilíbrios sociais. Esta função é, as vezes, manifestada por meio da teoria dos atos próprios, proibindo o que a teoria chama devenire contra factum proprium,que consiste no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente pela exercente.
Em síntese, é vedado a um dos contratantes utilizar-se de uma determinada situação fática que o coloque em situação de superioridade ou vantagem em relação a outra parte, vindo a prejudicar esta, porquanto o valor jurídico maior a ser tutelado pela boa fé é o equilíbrio, ante as bases sociais da solidariedade e da dignidade, sob pena de revisão do conteúdo contratual pelo Judiciário ou mesmo a declaração de sua nulidade, uma vez que o injusto não pode ser obrigatório 8.

3. A função social do contrato: em busca de um conceito e de suas funções
Embora a legislação brasileira só tenha preconizado expressamente a função social do contrato com o advento da Lei 10.406/2002 que instituiu o novo Código Civil em seu artigo 421, desde a Constituição Federal de 1988 foram elencados como superiores os valores da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, vislumbrando-se como um dogma implícito, orientador das relações contratuais.
Inobstante a previsão legal prevista no artigo 421 do Código Civil, imperiosa é a necessidade de definição dos limites a função social do contrato, visto que o legislador naõ fixou estes critérios sistemática e expressamente, tendo se limitado a prescrever que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, diferentemente da sua atuação ao estabelecer a função social da propriedade, quando especificou precisamente como esta se concretiza e as consequências advindas de seu descumprimento.
Interessante ressaltar que tradicionalmente ao contrato eram atribuídas funções apenas econômica e regulatória, representando um instrumento de efetivação da ordem econômica, responsável pela circulação de bens e produtos, assim como de materialização da liberdade contratual, resultado do conjunto de direitos e obrigações regulados nas cláusulas contratuais. Contemporaneamente, entretanto, o contrato ganha nova função, para além da econômica e regulatória , que é de dimensão social, tendo em vista a sua adequação aos ideais sociais vigentes 9. Nesse4 aspecto Ricardo Libet Waldmann (2006) sustenta que a tese de que a função social do contrato deve ser considerada como um sobre-princípio do direito contratual, porque funciona como fundamento, formal e material para outras normas jurídicas, sejam elas regras ou princípios, atribuindo-lhes sentido
3.1 Limites de atuação do princípio da função social do contrato
Enquanto atuando entre as partes contratantes, o princípio da função social, tendo em vista a realização de um programa do Estado social, que tem como objetivos a valorização da pessoa humana e a solidariedade, representa um instrumento de ingerência capaz de diminuir as desigualdades entre os sujeitos de direito, para ter como consequência um aumento da liberdade real dos contratantes.
De outro lado, a função social do contrato desempenha relevante papael perante a terceiros não integrantes da relação contratual, irradiando seusefeitos ultra partes 10.Esse efeito externo oriundo da atuação da função pode dar ensejo a vantagens ou deveres a terceiros, interferindo, portanto, na esfera de interesses alheios.
3.2 Mecanismos de atuação da função social no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor: alguns exemplos
No Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor encontram-se vários dispositivos legais que revelam o princípio da função social do contrato, funcionando como mecanismos ou instrumentos de atuação deste princípio, comprometidos com a satisfação das necessidades sociais e com o ideal da igualdade.
Encontram-se, assim, no Código Civil, dispositivos legais referentes ao estado de perigo, o abuso de direito e a onerosidade excessiva, impraticáveis na ideologia liberal que permeou o Código Civil de 1916. Estes institutos passaram a permitir ao intérprete concretizar a justiça no caso concreto, levando em conta suas especificidades.
No que tange às relações de consumo vislumbra-se claramente a eficácia da função social do contrato, e isso desde o artigo inaugural do Código de Defesa do Consumidor. O artigo 1° prescreve que as normas previstas nesse diploma legal são de ordem pública e de interesse social, não podendo, portanto, serem objeto de derrogação pelas partes contratantes. Logo depois no artigo 4°, inciso I, é reconhecida a vulnerabilidade do consumidor, de forma absoluta, não importando o seu grau cultural e econômico. Objetiva-se por meio desses preceitos o estabelecimento de igualdade substancial.
Por fim, a realização dos valores constitucionais fundamentais é plenamente possível de se concretizar na seara contratual. Desde que o contrato, juntamente com sua função econômica, realize a função social atribuída, servindo assim de instrumento de realização da dignidade e da solidariedade 11.


1 PADOIN, Fabiana Fachinetto. Os direitos fundamentais das relações contratuais. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009.
2Os títulos e subtítulos deste trabalho são reproduções textuais da obra analisada.
3PADOIM, 2009 apud GODOY, 2007, p.7.
4PADOIM, 2009 apud SILVA, 1988, p. 14.
5PADOIM, 2009 apud MENEZES CORDEIRO, 1997.
6PADOIM, 2009, p. 73.
7PADOIM, 2009 apud MARQUES, 1999.
8PADOIM, 2009 apud NALIM, 2006.
9PADOIM, 2009 apud BARROSO;CRUZ, 2005.
10Expressão utilizada por GODOY, 2007 in PADOIM, 2009.
11 PADOIM, 2009 apud NALIM, 2006, p. 253.